In Do Avesso - Almada desconstruída O Projecto Do Avesso - Almada desconstruída revela interioridades que o abandono pôs a descoberto. Edificada nos terrenos onde havia funcionado o “Forno da Arealva”, que cozia telha e tijolo, ali se estabeleceu em 1757 João O´Neill, irlandês exilado, com um negócio de produção e armazenamento de vinhos. Pela má qualidade dos caminhos que circundavam a Quinta, a somar ao refluxo do mar, O’Neill e a família ficavam muitas vezes privados de ir à missa a Almada, pelo que em 1766 obtiveram autorização para a construção de uma capela, dedicada a São João Baptista, que disponibilizaram também à vizinhança para assistir à missa. Em 1861 Domingos Afonso era o proprietário da Quinta. Reconhecido como um produtor de vinhos de grande qualidade, desenvolveu uma empresa autossuficiente que, para além de produzir, armazenar e distribuir vinho, atuava também nas áreas da tanoaria, azeite e conservas. Ainda foi utilizada como estaleiro naval, pela presença da Companhia Portuguesa de Pescas naquela zona, e esteve nas mãos da Sociedade Vinícola Sul de Portugal, que dali comercializava os vinhos “Arealva” e “Benfica”. Apoio: Câmara Municipal de Almada | Quinzena da Juventude'16
Inauguração: Museu da Cidade de Almada - Março'16
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In Fios da Meada - testemunhos para uma colecção imaterial A casa e a músicaFernando tem acompanhado as transformações do Solar dos Zagallos ao longo dos últimos quase trinta anos – metade do tempo viveu as mudanças de perto, de um lugar privilegiado a partir do interior da propriedade; na outra metade esteve à distância, observando e pensando o possível regresso. A música foi o elo que ligou todas as pontas. A história começa em 1991 quando Fernando é convidado pelo Centro Cultural de Almada para integrar a direção da Escola Profissional de Música de Almada. Em Setembro desse ano inicia o 1º ano letivo que arranca com 15 alunos. O edifício principal do Solar foi disponibilizado para as aulas: “Onde é hoje a galeria era a sala de turma e no andar de cima as salas de instrumentos que se estendiam até aos salões. A entrada para os salões estava vedada porque tanto o tecto como o chão estavam muito degradados.” Sabia-se ser uma estadia transitória pelo inevitável avanço das obras de recuperação e restauro. Em paralelo, também os últimos caseiros da família Piano que ainda residiam na zona agrícola, junto à enorme azinheira, se despediam da propriedade. Depois de um ano e meio na Costa da Caparica, é exactamente na antiga zona agrícola que a renomeada Escola Profissional de Música e Artes de Almada (EPMAA) se instala, ao mesmo tempo que o Solar dos Zagallos inaugura como um espaço cultural municipal. Ainda sob o aval do Centro Cultural de Almada foi criado em 1998 o Conservatório Regional de Almada para formar desde pequenos os alunos que poderiam vir a continuar os seus estudos na EPMAA. O Conservatório ocupou um edifício pré-fabricado instalado para o efeito no espaço do Antigo Campo de Ténis. Ainda hoje é possível encontrar a marca desta passagem no local. A procura por parte dos alunos foi crescente, em paralelo com um trabalho profundo ao nível musical e humano. “Estabeleceram-se relações muito fortes nesse período e havia uma ligação especial com o local.” O ano 2001 ficou particularmente registado na História da Escola: se por um lado foi um ano de estreias, com a organização das “Noites de Primavera” e da 1ª “Festa no Solar dos Zagallos”, foi também um ano de encerramentos – apesar da maturidade alcançada pela Escola Profissional que totalizava 300 alunos, e da importância crescente do Conservatório que contava já com 200 alunos, as irregularidades dos financiamentos e os problemas administrativo-financeiros entretanto surgidos leva-os a abandonar a sua morada de há oito anos e a interromper este progresso. No entanto, a perseverança e vontade da equipa recentra-os na procura de um novo espaço, e a Sociedade Recreativa Musical Trafariense foi a casa que os acolheu. É ali que surge, em 2003, a Academia de Música de Almada. O espaço outrora frequentado por centenas de alunos, na antiga zona agrícola, fica inactivo durante 12 anos. O abandono deu origem ao vandalismo, e ainda hoje é possível identificar nas tábuas do soalho de algumas salas as queimaduras na madeira, feitas certamente pelos ocupas. Crê-se que uma dessas fogueiras se terá, certa noite, descontrolado e originado um incêndio nas salas mais próximas do portão, na extremidade da propriedade, salas onde todo o recheio do centro de documentação e alguns instrumentos se encontravam armazenados. O incêndio obriga a uma nova recuperação, e em 2015 estão reunidas as condições para a Academia de Música de Almada (A.M.A.) ali se estabelecer. A zona da direcção e secretaria ocupa hoje o edifício onde se localizava a habitação dos últimos caseiros da família Piano, resistindo o armário do quarto e o pavimento autêntico da entrada. Na zona da pocilga, onde é possível identificar no chão a localização dos muretes que dividiriam os animais, começou por ser uma pequena cantina, e é hoje a sala dos alunos. Na área outrora ocupada pelas vacarias estão hoje situadas as salas de instrumento. O recinto do pombal foi aumentado e ali se criou um auditório e novas salas de aula. Estudar no Solar não é, naturalmente, um aspecto indiferente para a maioria dos alunos que pode, novamente, usufruir deste lugar. Há um carinho que se diferencia e que chega acompanhado pelo sentimento de liberdade. Há um encantamento e um bem-estar que se estende aos pais, e até a espera pelo fim da aula dos filhos aqui se torna num momento prazeroso. Fotografias e documentos do espólio da Academia de Música de Almada In Fios da Meada - testemunhos para uma colecção imaterial a casa reavidaOs primeiros esquissos a carvão em pequenas folhas de papel vegetal datam de 1991, altura em que o arquiteto Victor Mestre começou a desenhar o projeto de recuperação, remodelação e restauro do Solar dos Zagallos, adquirido pela Câmara Municipal de Almada em 1982. “Foi um projeto em obra, pois o plano inicialmente previsto teve de evoluir e adaptar-se à medida que a obra avançava e se descobria o verdadeiro estado do Solar.” A sua larga experiência a trabalhar em Património fê-lo antever o processo em mutação que teria pela frente, e as dificuldades a superar junto dos trabalhadores e empreiteiros. “O caderno de encargos não podia ser entendido como lei, devia ser observado na presença de uma dimensão cultural. Se esta dimensão não estiver presente é muito perigoso. É preciso pensar o Património. Isso exige tempo e consciência.” Para Victor a sua presença na obra era, assim, fundamental, não só numa fase inicial para conhecer a equipa, mas igualmente ao longo de todo o trabalho. “É completamente diferente estar lá do que ir lá.” E essa proximidade permitiu-lhe acompanhar a par e passo as surpresas que o Património foi desvendando. Como ligações antigas no interior da casa que em obras intermédias se terão tapado. "Talvez com intenção de fechar caminho ao frio, mas que resulta no fechar do caminho ao ar, e isso pode ter consequências ao nível do arejamento e da criação de humidades. Quando se encerra um percurso ancestral algo pode vir a correr mal…” Um dos momentos principais da obra foi a sua defesa intransigente da inclusão de uma solução para a água. “Não valia a pena investir na recuperação da pintura dos tetos dos salões sem antes resolver a questão da água. A evidência de que o Solar se encontra construído sobre uma linha de água que desce da Quinta de Cima e vai embater nas costas do edifício principal certificava que, por muito restauro que se fizesse, a médio prazo as paredes iriam humedecer, descascar. A água não tinha caminho definido. Era preciso criá-lo.” A construção de um sistema de drenos internos e externos ligados à rede de águas pluviais passou a ser o percurso orientador que afastou a água do edifício. E apesar dos inesperados que esta obra desvendou e do consequente investimento em soluções justificadas, o projecto de recuperação do Solar é exemplo de boas práticas, possível de ser finalizado sem ultrapassar o orçamento. “- Vamos recuperar a azenha.” E assim se fez. “Vamos recuperar a estufa.” E assim se fez. No processo de recuperação Victor procurou fazer jus à História evolutiva do Solar, aos materiais anteriormente utilizados, à permanência global da Quinta. “Património não é a casca é o que está dentro.” E a aposta na continuidade da existência deste lugar foi trabalhada em paralelo com a sua actualização face às futuras necessidades do Solar. “É importante pensar o lugar com vista a que seja utilizado e vivido pelas pessoas, essa é a função da arquitetura. Não tornar os edifícios bibelots na cidade que perdem significado e valor se desabitados de gente.” Fotografias e documentos cedidos por Victor Mestre
In Fios da Meada - testemunhos para uma colecção imaterial A casa-berçoO sr. Piano e D. Maria do Rosário foram pais de um rapaz e duas raparigas. A filha mais nova, baptizada com o nome da mãe, casou em casa, tal como os irmãos. A capela decorou-se com flores para a missa de casamento, os convidados organizaram-se na escadaria para a fotografia de grupo, os salões encheram-se de gente ao redor das mesas. Por vários anos Maria do Rosário viu suspensa a concretização do seu desejo de ter um filho, o que levou ao prolongamento da sua estadia em casa dos pais. Quando finalmente em 1969 deu à luz um rapaz, que recebeu o nome do avô, António Piano, ela deixou-se ficar na sua casa de sempre. Se as recordações que António Piano consegue recuperar dos avós são ténues, pelo falecimento do avô tinha ele 4 anos e da avó um ano depois, a sua infância vivida no Solar deixou-lhe, em compensação, marcas profundas. Viu-se criança diante de uma grandiosa propriedade, apenas com os pais junto de si e os caseiros no topo da Quinta. Acentuou-se-lhe, no entanto, a sensibilidade para apreender o lugar onde vivia: “Mesmo sendo uma criança eu sentia que a vida no Solar era temporária, que a estadia aqui era de curto prazo. Tinha essa noção. Então vivia isto intensamente.” Ficou-lhe presente o legado de generosidade e dádiva do avô, bem como a confiança nos outros. “Lembro-me que o portão para a rua estava sem chave, era só empurrar. Os meus amigos batiam na janela «Ó Tonho, anda jogar!». O pátio era o local de eleição pelas balizas naturais que se enfrentavam – o portão de um lado, a escadaria do outro.” “Também brincávamos muito na Alameda. E como o jardim começava a ficar selvagem, com as ervas altas e os caminhos descuidados, eu desafiava os meus amigos para pegarem nas enxadas e concertarmos o terreno.” António e os pais viviam no rés-do-chão e primeiro andar do edifício principal. “A área da casa utilizável terminava na sala da televisão e do telefone, era a sala de estar. Não utilizávamos os salões, que eram muito frios e estavam a degradar-se.” “Foi no início dos anos sessenta que os meus primos terão pedido autorização ao avô para organizar uma festa dançante. O avô deixou. Como era seu hábito não teve uma postura de fechamento e posse em relação à casa. E assim se transformaram as antigas cavalariças – onde é hoje a oficina de olaria – numa «boate». Os meus primos, muito mais velhos do que eu, passaram a organizar festas no Verão para os amigos.” Desse grupo fazia parte José Matos e Silva que, na primeira pessoa, partilhou: “Passávamos as férias na Costa da Caparica, numa casa alugada na Quinta de Santo António. Durante o dia estávamos por lá, entre praia, passeio e picnics no fim da linha do comboio Transpraia, na Fonte da Telha. À noite éramos convidados para as festas dos netos Piano. Havia um gira-discos, comes e bebes, e raparigas bonitas.” Segundo José, “o Jardim de Aparato era um óptimo refúgio para o namoro. Na verdade, foi no Solar que vivi a minha primeira demonstração de amor. O primeiro passo era dar a mão, mas um momento muito especial era encostar a cara a dançar. Foi aqui que o vivi pela primeira vez.” E se o Solar foi fértil em partilha e amor, foi também um hospedeiro exigente – o tamanho da propriedade e as diversas valências ali reunidas implicavam uma manutenção empenhada e dispendiosa. Nos anos setenta, enquanto António crescia, a propriedade enfraquecia. “Eu tinha 12 anos quando saí do Solar. Depois de décadas de vida neste lugar havia, naturalmente, muita coisa acumulada, coisas que vão ficando na garagem, na arrecadação, no sótão... A família juntou-se para se despedir da casa e resolver futuros. Houve missa e jantar. Não me lembro do tema das conversas, mas lembro-me da família reunida. Isso sim era importante para mim.” Fotografias cedidas por António Piano
In Fios da Meada - testemunhos para uma colecção imaterial A casa e o sonho“O Palácio foi desde sempre um lugar muito presente para mim. Eu vivia do outro lado da Azinhaga e diariamente passava por aqui no percurso para a escola” - relembra Milu, nome pelo qual é habitualmente tratada. A relação de mera vizinhança entre a família Seixas e a família Piano estreitou-se após o falecimento do pai de Milu. À entrada do átrio à esquerda era uma sala de lazer – de dia ouvia-se música e bordavam-se os enxovais, à noite jogava-se à canastra. Seguia-se a habitação dos caseiros, e ao fundo chegou a ser a leitaria, que mais tarde passou para a zona agrícola, hoje Academia de Música. No Verão, após o almoço, desfrutava-se da frescura do Pátio do Chá, junto à grande murta. À hora do lanche aproximavam-se dois empregados trazendo uma padiola – um grande tabuleiro retangular com dois varais paralelos e um sistema de suporte no chão. Abria-se a toalha e estava a mesa posta para o lanche, com as loiças e os talheres, os sumos e os bolos, a melancia e o melão. Após o lanche jogava-se ténis num campo para o efeito, na zona superior à murta. Pelas seis e meia a Emissora Nacional passava o programa “Música para Dançar”, o convite ideal para a juventude subir ao Ringue de Patinagem e improvisar um baile. Os pares estavam formados e havia aqueles que, discretamente, se afastavam para um passeio na Alameda ou para o Pátio da Estufa, onde as orquídeas e os inúmeros pássaros nas gaiolas do pátio apelavam à poesia. Entretanto, na cozinha, já se iniciara o bulício dos preparativos para o jantar que, de Verão, se fazia na taberna, mais tarde apelidada por Casa do Plátano. Quando o tempo arrefecia as refeições passavam a ser na sala de jantar. “Toda a casa era habitada e vivida. A família não se fechava nela com as suas coisas, pelo contrário, abriam-na aos amigos e em parte também à vizinhança e ao povo.” Quando de festas grandes se tratava, como o casamento de um filho, a casa fervilhava. Da cozinha saía a água quente para os banhos. Junto à azenha estavam os fogareiros acesos para fazer as brasas para os ferros de engomar e na casinha ao lado duas ou três senhoras passavam a roupa. A decoração da casa era cuidada e os enormes lustres dos salões abrilhantavam o espaço.
Com a chegada do Outono a família Piano fazia as malas e viajava para a casa de Cascais, ficando o Solar ao cuidado dos caseiros. Durante o período da guerra, António Piano deixava-lhes a incumbência de fazerem uma panela de sopa para dar a quem mais precisasse. Pessoas sós, viúvas com filhos, famílias numerosas acercavam-se com a sua panela e a caseira servia-os do panelão. Na ausência dos Piano a Sobreda voltava a transformar-se, a silenciar, a sossegar, como se de uma ténue hibernação se tratasse. Fotografias cedidas por Maria de Lurdes Seixas
Julho | Charneca da Caparica/Sobreda - em retropectivaO projecto POP-pular foi apoiado pelo Programa Almada Juventude 2017, da Câmara Municipal de Almada, e apresentado na Casa da Juventude Ponto de Encontro, em Setembro 2017.
In Fios da Meada - testemunhos para uma colecção imaterial A casa anfitriãMaria Joaquina, a quem todos conhecem por “Quina”, viveu desde sempre na Sobreda. Foi baptizada na Capela de Sto. António da Sobreda, a que integra o edifício principal do Solar. Devido ao mau estado em que se encontrava, a Capela era raramente utilizada, pelo que o baptismo de um neto Piano era a oportunidade para outras crianças das proximidades receberem também este sacramento. Nestas ocasiões, Maria do Rosário, esposa de António Piano, oferecia aos meninos pobres um pequeno enxoval.
“Está ciente que tu não és como as outras – elas são ricas e tu não." A mãe de Quina trabalhava na costura. O pai trabalhava no campo, foi corticeiro numa fábrica da Cova da Piedade, vendedor de peixe ao volante de uma carrinha, motorista para uma casa particular. Até que alguém lhe comentou que o sr. Piano, que privilegiava recrutar os seus funcionários na Sobreda, estava a precisar de motorista. Passou assim a ser o pai de Quina quem, na Primavera, trazia a família Piano para o Solar, vindos da casa de Cascais onde residiam durante as estações frias. “Ia-se ver os carros a aparecer, que eram muitos porque a família vinha acompanhada de uma comitiva de 30, 40 pessoas. A sua chegada era uma animação, toda a Sobreda fervilhava, tudo mudava aqui. A mim aquilo não me interessava.”
“Quando a minha mãe me dizia que eu não era como as outras era verdade, eu não era mesmo. A subserviência não me encaixava, aquele adorar e corresponder…” Ainda que de forma fugaz, Quina deslocava-se ao Solar diariamente para comprar leite fresco, ao fundo do pátio à esquerda, onde a caseira o preparava. O chão era de pedra larga e estava tudo sempre muito asseado. “Ó tia Maria Emília!” – chamava. “Já lá vou…” A caseira utilizava um púcaro como medidor para encher a bilha de alumínio de um litro que Quina levava entre as mãos. Mensalmente dirigia-se à sala da costura, à entrada à esquerda, para receber as quotas da igreja. “As senhoras da casa estavam junto às janelas, viradas para o Largo do Rio, a costurar. Eu ficava à porta à espera que viessem ter comigo.” Ainda que se deixasse ficar à distância, Quina testemunhou de perto a importância da família Piano na Sobreda. “O sr. Piano tinha uma postura de proximidade e respeitabilidade. Reedificou a Escola Primária e o Clube Recreativo como dádivas à população. O dia da inauguração da sede do Clube, que havia sido construída de raiz, foi muito importante na consolidação da relação entre a família e o povo.” E ao final da tarde, quando o jantar estava pronto na casa dos Piano, “a cozinheira tocava o sino para chamar para a mesa. Aquele som ecoava dentro dos muros do jardim espalhando-se depois pela vizinhança.” Tal como o ressoar do sino, que se expande pelo espaço e se prolonga no tempo, assim foi a passagem desta família pelo Solar. Fotografias cedidas por Maria Joaquina
No Verão de 2017 Almada MicrObservatório andou pelas festas do Concelho de Almada à procura dos ambientes de folia, celebração e encontro que se vivem na estação quente. Dessa viagem surgiu o projecto fotográfico "POP-pular". Um ano passado, retrospectivo aqui os seus contrastes: Entre as festas diurnas e noturnas. Entre o atual papel dos mais novos e dos mais velhos para a manutenção das festas. Entre as tradições e as recriações destas vivências coletivas. JunhoO projecto POP-pular foi apoiado pelo Programa Almada Juventude 2017, da Câmara Municipal de Almada, e apresentado na Casa da Juventude Ponto de Encontro, em Setembro 2017.
In Fios da Meada - testemunhos para uma colecção imaterial A casa-memóriaA viagem até ao Solar dos Zagallos é um convite presente de retorno ao passado, a um lugar de recordações distantes e por vezes difusas. A memória preenche-se, como sempre faz, de grandes e pequenos momentos, de sonantes e discretos nomes. “Pessoalmente não tive uma relação com o Solar dos Zagallos. Nem era este o nome que lhe dávamos, mas sim «Casa da Sobreda» ou «Quinta da Sobreda». O meu pai não queria cá vir, não queria ressuscitar memórias.” Para além do sustento na agricultura, a família produzia vinho que era vendido maioritariamente para as tabernas da Trafaria. O filho Francisco foi o elemento mais novo da última geração de Zagallos a viver no Solar. Francisco de Paula cresceu na casa de Cacilhas junto da sua família. Quando conheceu Guilhermina Maria dos Santos Zagallo uniram-se de tal maneira que o mundo à sua volta se tornou suplementar, bem como todos os que os rodeavam. Desse amor desmedido nasceu um único filho, Tomaz. “A minha tia era uma mulher extraordinária e cuidadosa. Lembro-me de sair à noite para a Academia Almadense e para a Incrível – fui sócio de ambas até me casar – e no regresso ter à minha espera um copo de leite que ela me deixava junto ao candeeiro de azeite.” A Costa da Caparica foi destino de lazer desde a meninice de Tomaz.
Após o falecimento da avó a família dividiu-se. Alargou-se o espaço entre os elementos, afrouxaram-se as relações, as memórias sedimentaram sem conduto que as alimentasse. Neste retorno a um lugar-memória Tomaz reconhece o papel fundamental do ambiente na formação de uma pessoa, “o contexto molda-nos muito”, assume. Neste retorno Tomaz re-conhece o lugar inicial da sua História e religa pontas soltas. Fotografias e documentos cedidos pela
Câmara Municipal de Almada / Museu da Cidade / Espólio Família Zagallo e Melo In Fios da Meada - testemunhos para uma coleção imaterial A casa-cenárioA Sobreda, esse “lugar de sobreiros”, é território de particular interesse para Francisco Silva que a tem vindo a observar ao longo dos anos com os seus olhos de homem e investigador, dois olhares que, por passarem tanto tempo na companhia um do outro, mal se diferenciam entre si. Quando nos anos 80, tinha ele 15 anos, palmilhava a Sobreda para um levantamento fotográfico do Património Rural do concelho de Almada, já na altura através do Centro de Arqueologia de Almada, admirou as inúmeras Quintas que enquadravam a região constatando que a viabilidade dos solos para a agricultura terá sido um dos aspectos centrais no seu povoamento. O próprio Solar dos Zagallos, que compreende as áreas outrora designadas por Quinta de Baixo e Quinta de Cima, entre o século XVII da sua construção e o início do século XX, teria a agricultura como principal fonte de rendimento. Azenha, junto ao Pomar - Espólio do Centro de Arqueologia de Almada No lado nascente do Largo, diante do Solar, subsiste um muro branco como única reminiscência da cerca do antigo Convento dos padres Agostinhos Descalços que ali terão estado a partir de 1677. O Convento disporia de grandes acomodações, uma excelente biblioteca, uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Assunção e uma quinta com vinha e dois grandes poços. A família Zagallo não os tinha em grande estima, pois os frades estavam com o Liberalismo ao passo que os vizinhos da frente defendiam o Absolutismo. Esta predilecção dos Zagallos foi expressa na construção dos dois salões nobres do Solar, com intenção de adequar o espaço à recepção do rei D. João VI, pai de Miguel e Pedro, os irmãos de ideais incompatíveis. O rei, no entanto, nunca chegou a empreender esta visita. Durante a guerra civil que no início do século XIX confrontou os dois irmãos e as suas causas, o Solar chegou a acolher os militares do 1º batalhão do regimento nº5 da infantaria miguelista. O Convento foi extinto em 1833 no ano da Batalha da Cova da Piedade na qual a vitória dos Liberais representou o princípio do fim da esperança para os Absolutistas. Mina, junto à Casa da Água e à Capela Santo António do Caiado - Espólio do Centro de Arqueologia de Almada A importância da terra e da propriedade esteve sempre, neste lugar, profundamente relacionada com a presença de água em abundância. “O encanamento da água do poço interior para a Fonte da Bica que corre para o Largo foi feito por iniciativa de Francisco de Paula Carneiro Zagallo e Melo”, para regalo das lavadeiras e das gentes no geral. Após 1863, com a publicação da carta de lei que abolia os morgados, “as propriedades passam a ser divididas pelos herdeiros ou por aqueles a quem pertencem e, portanto, valem muito menos.” O poder desvanece-se, passando da nobreza que o herdava por direito para a burguesia que ascendente financeiramente. A família Zagallo termina o seu morgadio no início do século XX com a morte de um primogénito que não deixa descendência. “É nessa altura que o Solar é vendido a banqueiros, pessoas com dinheiro, os Piano.” A propriedade passa a quinta de recreio e a família designa-a por Quinta de Santo António. Manhã nos Jardins do Solar, com a Capela do Senhor dos Passos refletida no Lago - Espólio do Centro de Arqueologia de Almada Quando os Piano compram a Quinta e o Solar compram também um estatuto, uma ligação com as pessoas. Percebem a importância fulcral da criação de laços com o lugar onde estão e com as pessoas que ali vivem como chave para o seu bem-estar. Promovem uma relação paternal com o povo, uma relação de dependência emocional. Atualmente, e em nome do Centro de Arqueologia de Almada, Francisco é um “contador” do Solar. Une os seus olhares de homem-vizinho e homem-investigador para guiar visitas que circulam pelo Solar ao longo dos tempos. Este é um lugar cuja evolução e continuidade ilustram os tempos de Portugal e do mundo, o contexto, o que se passa ao seu redor, ao perto e ao longe. Isso exige manutenção. Isso exige que se conte. Francisco Silva numa visita guiada. A Capela do Senhor dos Passos e o património azulejar -
Espólio do Centro de Arqueologia de Almada |
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Outubro 2018
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