In Fios da Meada - testemunhos para uma colecção imaterial A casa anfitriãMaria Joaquina, a quem todos conhecem por “Quina”, viveu desde sempre na Sobreda. Foi baptizada na Capela de Sto. António da Sobreda, a que integra o edifício principal do Solar. Devido ao mau estado em que se encontrava, a Capela era raramente utilizada, pelo que o baptismo de um neto Piano era a oportunidade para outras crianças das proximidades receberem também este sacramento. Nestas ocasiões, Maria do Rosário, esposa de António Piano, oferecia aos meninos pobres um pequeno enxoval.
“Está ciente que tu não és como as outras – elas são ricas e tu não." A mãe de Quina trabalhava na costura. O pai trabalhava no campo, foi corticeiro numa fábrica da Cova da Piedade, vendedor de peixe ao volante de uma carrinha, motorista para uma casa particular. Até que alguém lhe comentou que o sr. Piano, que privilegiava recrutar os seus funcionários na Sobreda, estava a precisar de motorista. Passou assim a ser o pai de Quina quem, na Primavera, trazia a família Piano para o Solar, vindos da casa de Cascais onde residiam durante as estações frias. “Ia-se ver os carros a aparecer, que eram muitos porque a família vinha acompanhada de uma comitiva de 30, 40 pessoas. A sua chegada era uma animação, toda a Sobreda fervilhava, tudo mudava aqui. A mim aquilo não me interessava.”
“Quando a minha mãe me dizia que eu não era como as outras era verdade, eu não era mesmo. A subserviência não me encaixava, aquele adorar e corresponder…” Ainda que de forma fugaz, Quina deslocava-se ao Solar diariamente para comprar leite fresco, ao fundo do pátio à esquerda, onde a caseira o preparava. O chão era de pedra larga e estava tudo sempre muito asseado. “Ó tia Maria Emília!” – chamava. “Já lá vou…” A caseira utilizava um púcaro como medidor para encher a bilha de alumínio de um litro que Quina levava entre as mãos. Mensalmente dirigia-se à sala da costura, à entrada à esquerda, para receber as quotas da igreja. “As senhoras da casa estavam junto às janelas, viradas para o Largo do Rio, a costurar. Eu ficava à porta à espera que viessem ter comigo.” Ainda que se deixasse ficar à distância, Quina testemunhou de perto a importância da família Piano na Sobreda. “O sr. Piano tinha uma postura de proximidade e respeitabilidade. Reedificou a Escola Primária e o Clube Recreativo como dádivas à população. O dia da inauguração da sede do Clube, que havia sido construída de raiz, foi muito importante na consolidação da relação entre a família e o povo.” E ao final da tarde, quando o jantar estava pronto na casa dos Piano, “a cozinheira tocava o sino para chamar para a mesa. Aquele som ecoava dentro dos muros do jardim espalhando-se depois pela vizinhança.” Tal como o ressoar do sino, que se expande pelo espaço e se prolonga no tempo, assim foi a passagem desta família pelo Solar. Fotografias cedidas por Maria Joaquina
No Verão de 2017 Almada MicrObservatório andou pelas festas do Concelho de Almada à procura dos ambientes de folia, celebração e encontro que se vivem na estação quente. Dessa viagem surgiu o projecto fotográfico "POP-pular". Um ano passado, retrospectivo aqui os seus contrastes: Entre as festas diurnas e noturnas. Entre o atual papel dos mais novos e dos mais velhos para a manutenção das festas. Entre as tradições e as recriações destas vivências coletivas. JunhoO projecto POP-pular foi apoiado pelo Programa Almada Juventude 2017, da Câmara Municipal de Almada, e apresentado na Casa da Juventude Ponto de Encontro, em Setembro 2017.
In Fios da Meada - testemunhos para uma colecção imaterial A casa-memóriaA viagem até ao Solar dos Zagallos é um convite presente de retorno ao passado, a um lugar de recordações distantes e por vezes difusas. A memória preenche-se, como sempre faz, de grandes e pequenos momentos, de sonantes e discretos nomes. “Pessoalmente não tive uma relação com o Solar dos Zagallos. Nem era este o nome que lhe dávamos, mas sim «Casa da Sobreda» ou «Quinta da Sobreda». O meu pai não queria cá vir, não queria ressuscitar memórias.” Para além do sustento na agricultura, a família produzia vinho que era vendido maioritariamente para as tabernas da Trafaria. O filho Francisco foi o elemento mais novo da última geração de Zagallos a viver no Solar. Francisco de Paula cresceu na casa de Cacilhas junto da sua família. Quando conheceu Guilhermina Maria dos Santos Zagallo uniram-se de tal maneira que o mundo à sua volta se tornou suplementar, bem como todos os que os rodeavam. Desse amor desmedido nasceu um único filho, Tomaz. “A minha tia era uma mulher extraordinária e cuidadosa. Lembro-me de sair à noite para a Academia Almadense e para a Incrível – fui sócio de ambas até me casar – e no regresso ter à minha espera um copo de leite que ela me deixava junto ao candeeiro de azeite.” A Costa da Caparica foi destino de lazer desde a meninice de Tomaz.
Após o falecimento da avó a família dividiu-se. Alargou-se o espaço entre os elementos, afrouxaram-se as relações, as memórias sedimentaram sem conduto que as alimentasse. Neste retorno a um lugar-memória Tomaz reconhece o papel fundamental do ambiente na formação de uma pessoa, “o contexto molda-nos muito”, assume. Neste retorno Tomaz re-conhece o lugar inicial da sua História e religa pontas soltas. Fotografias e documentos cedidos pela
Câmara Municipal de Almada / Museu da Cidade / Espólio Família Zagallo e Melo |
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Histórico
Outubro 2018
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