In Fios da Meada - testemunhos para uma colecção imaterial A casa-berçoO sr. Piano e D. Maria do Rosário foram pais de um rapaz e duas raparigas. A filha mais nova, baptizada com o nome da mãe, casou em casa, tal como os irmãos. A capela decorou-se com flores para a missa de casamento, os convidados organizaram-se na escadaria para a fotografia de grupo, os salões encheram-se de gente ao redor das mesas. Por vários anos Maria do Rosário viu suspensa a concretização do seu desejo de ter um filho, o que levou ao prolongamento da sua estadia em casa dos pais. Quando finalmente em 1969 deu à luz um rapaz, que recebeu o nome do avô, António Piano, ela deixou-se ficar na sua casa de sempre. Se as recordações que António Piano consegue recuperar dos avós são ténues, pelo falecimento do avô tinha ele 4 anos e da avó um ano depois, a sua infância vivida no Solar deixou-lhe, em compensação, marcas profundas. Viu-se criança diante de uma grandiosa propriedade, apenas com os pais junto de si e os caseiros no topo da Quinta. Acentuou-se-lhe, no entanto, a sensibilidade para apreender o lugar onde vivia: “Mesmo sendo uma criança eu sentia que a vida no Solar era temporária, que a estadia aqui era de curto prazo. Tinha essa noção. Então vivia isto intensamente.” Ficou-lhe presente o legado de generosidade e dádiva do avô, bem como a confiança nos outros. “Lembro-me que o portão para a rua estava sem chave, era só empurrar. Os meus amigos batiam na janela «Ó Tonho, anda jogar!». O pátio era o local de eleição pelas balizas naturais que se enfrentavam – o portão de um lado, a escadaria do outro.” “Também brincávamos muito na Alameda. E como o jardim começava a ficar selvagem, com as ervas altas e os caminhos descuidados, eu desafiava os meus amigos para pegarem nas enxadas e concertarmos o terreno.” António e os pais viviam no rés-do-chão e primeiro andar do edifício principal. “A área da casa utilizável terminava na sala da televisão e do telefone, era a sala de estar. Não utilizávamos os salões, que eram muito frios e estavam a degradar-se.” “Foi no início dos anos sessenta que os meus primos terão pedido autorização ao avô para organizar uma festa dançante. O avô deixou. Como era seu hábito não teve uma postura de fechamento e posse em relação à casa. E assim se transformaram as antigas cavalariças – onde é hoje a oficina de olaria – numa «boate». Os meus primos, muito mais velhos do que eu, passaram a organizar festas no Verão para os amigos.” Desse grupo fazia parte José Matos e Silva que, na primeira pessoa, partilhou: “Passávamos as férias na Costa da Caparica, numa casa alugada na Quinta de Santo António. Durante o dia estávamos por lá, entre praia, passeio e picnics no fim da linha do comboio Transpraia, na Fonte da Telha. À noite éramos convidados para as festas dos netos Piano. Havia um gira-discos, comes e bebes, e raparigas bonitas.” Segundo José, “o Jardim de Aparato era um óptimo refúgio para o namoro. Na verdade, foi no Solar que vivi a minha primeira demonstração de amor. O primeiro passo era dar a mão, mas um momento muito especial era encostar a cara a dançar. Foi aqui que o vivi pela primeira vez.” E se o Solar foi fértil em partilha e amor, foi também um hospedeiro exigente – o tamanho da propriedade e as diversas valências ali reunidas implicavam uma manutenção empenhada e dispendiosa. Nos anos setenta, enquanto António crescia, a propriedade enfraquecia. “Eu tinha 12 anos quando saí do Solar. Depois de décadas de vida neste lugar havia, naturalmente, muita coisa acumulada, coisas que vão ficando na garagem, na arrecadação, no sótão... A família juntou-se para se despedir da casa e resolver futuros. Houve missa e jantar. Não me lembro do tema das conversas, mas lembro-me da família reunida. Isso sim era importante para mim.” Fotografias cedidas por António Piano
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Outubro 2018
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